Maria faz parte integrante da nossa fé; por sua vez, sua presença no Calvário nos ajuda a participar mais intensamente da caminhada quaresmal rumo à Páscoa.
Quando fui nomeado bispo, tomei como lema do meu ministério as palavras IUXTA MATREM, isto é, JUNTO À MÃE (de Jesus), extraídas do Evangelho de São João, onde diz: “Junto à cruz de Jesus, estavam de pé sua mãe e a irmã de sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, JUNTO A ELA, o discípulo que ele amava...” (João 19, 25-26).
O Calvário deve ter sido um cenário chocante naquela primeira sexta-feira santa quando o Filho de Deus foi pregado numa cruz, levantada entre as cruzes de dois bandidos, como sinal da vitória conquistada por seus inimigos.
A arte de todos os tempos tentou reproduzir aquele lugar trágico e aquelas horas eternas pela intensidade do sofrimento que foram as testemunhas da morte do Filho do Altíssimo.
Os próprios evangelhos, pela forma simples e esquelética com que aludem ao monte da crucificação e da morte do Senhor, fazem nosso íntimo estremecer.
Todos eles dizem simplesmente: “um lugar chamado Calvário”, ou seja, lugar da Caveira.
Não vemos ainda hoje estampas que mostram ao pé da cruz uma caveira?
Não houve uma tradição que afirmava ali ter sido sepultado o primeiro homem, Adão?
Os evangelhos pintam o Calvário com imagens assustadoras.
A cruz de Jesus foi levantada em torno das nove horas da manhã.
“Desde o meio-dia, uma escuridão cobriu toda a terra até as três horas da tarde. Pelas três horas da tarde, Jesus deu um forte grito (chamando pelo Pai; depois) deu outra vez um forte grito e entregou o espírito. Nisso, o véu do Santuário rasgou-se de alto a baixo, em duas partes, a terra tremeu e as pedras se partiram. Os túmulos se abriram e muitos corpos dos santos falecidos ressuscitaram! Saindo dos túmulos, depois da ressurreição de Jesus, entraram na Cidade Santa e apareceram a muitas pessoas” (Mateus 27, 45.50-53).
Que cena tremenda!
É desta forma que, aproximadamente, Mateus, Marcos e Lucas descrevem o impacto da morte do Senhor.
Diverso é o cenário pintado por João.
O fim de Jesus é sereno como o entardecer: “Sabendo Jesus que tudo estava consumado, e para que se cumprisse a Escritura até o fim, disse: Tenho sede! Havia ali uma jarra cheia de vinagre. Amarraram num ramo de hissopo uma esponja embebida de vinagre e a levaram à sua boca. Ele tomou o vinagre e disse: Está consumado. E inclinando a cabeça, entregou o espírito” (João 19,28-30).
Parece que João quis transmitir-nos uma visão plácida e amorosa da morte de Jesus.
De fato, seu ângulo de visão do Calvário, apesar da constatação pessoal da brutalidade dos sofrimentos do Senhor – afinal, João foi o único apóstolo a estar presente –, foi o ângulo da vitória do amor de Jesus sobre os seus perseguidores e algozes.
João relata: “Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que tinha chegado a sua hora, hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (João 13,1).
E referindo a grande oração de Jesus antes de caminhar para a morte, o evangelista diz: “Assim Jesus falou, e elevando os olhos ao céu, disse: Pai, chegou a hora” (João 17,1).
Jesus não foi arrebatado para a morte pelos seus inimigos, ele entregou sua vida espontaneamente. “Ninguém me tira a vida, mas eu a dou por própria vontade. Eu tenho o poder de dá-la, como tenho o poder de recebê-la de novo” (João 10,17-18).
Assim, a morte amorosa de Jesus no Calvário confirmava que Ele se entregava por amor ao Pai. “É por isso que o Pai me ama: porque dou a minha vida” (João 10,17).
O Calvário, portanto, visto pelo prisma do amor assume outras cores e enche nosso coração de paz e misericórdia: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas” (João 10,11).
João quis sublinhar esta realidade e o fez com sua pena tingida de perdão e serenidade.
Esta foi a grande vitória de Jesus, a vitória do amor pelo Pai e por nós.
Com seu lado aberto pela lança, Jesus cumpre sua promessa: “Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (João 12,32).
Eis que todos nós corremos para o alto do monte onde o Senhor obteve sua maior vitória sobre seus inimigos, onde o amor de Jesus se expandiu a todos os tempos e lugares, para sempre.
Ao cenário dos últimos momentos da vida do Senhor João dá um toque especial que tem o poder de suavizar todo o imenso sofrimento de quantos ainda hoje o contemplam.
Eis como João nos fala: “Junto à cruz de Jesus, estavam de pé sua mãe e a irmã de sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: Mulher, eis o teu filho! Depois disse ao discípulo: Eis a tua mãe! A partir daquela hora, o discípulo a acolheu no que era seu” (João 19,25-27).
João, único dos apóstolos a percorrer o caminho da morte do Mestre, e algumas mulheres, corajosas e santas, a primeira delas, Maria, mãe de Jesus.
Com sua presença, o Calvário muda de cor.
O amor que elas e João carregam em seu coração enche o Calvário de flores.
Jesus contempla aquelas pessoas amigas e, voltando seus olhos para sua mãe, confia a seu coração todos nós.
Depois, aos cuidados de todos nós, na pessoa de João, entrega sua mãe.
Agora ele poderia morrer em paz; agora realmente tudo estava consumado.
Jesus acabava de assinar seu testamento. “E inclinando a cabeça, entregou o espírito” (João 19,30).
Dessa forma, o Calvário se transfigura no monte do amor.
Por amor, o Filho de Deus se encarnou, por amor viveu, por amor morreu.
Concebido pelo Espírito Santo no seio de Maria, ao longo de sua vida foi conduzido passo a passo pelo Espírito de Amor.
Esse Espírito levou o amor de Jesus a tal ponto de amadurecimento que Ele decidiu entregar-se voluntariamente à morte por amor ao Pai e a todos nós.
No Calvário, o amor de Jesus desabrochou como uma flor de infinita grandeza e beleza.
Por isso, com razão, o evangelista João considera a cruz como a vitória do Senhor sobre todas as forças adversas.
Com razão, ele retrata a morte de Jesus na serenidade do Filho que inclina suavemente a cabeça reafirmando o “sim” à vontade do Pai, sem gritos, sem estremecimentos.
Ao pé da cruz estava Maria, sua mãe.
Ela também, que sempre vivera na docilidade ao Espírito Santo, viu desabrochar dentro de si o amor em plenitude, como nunca em sua vida.
Outra flor adornava o Calvário: o amor de Maria.
Ela, em atitude corajosa de quem não se deixa abater pela desgraça, uniu seu espírito ao de seu Filho na oferta do sacrifício redentor ao Pai.
Se Jesus inclinou a cabeça em sinal de aceitação da sua morte pela nossa salvação, Maria levantou seus olhos para a cruz como num gesto de oferenda do próprio Filho ao Pai celeste de quem o recebera para tornar-se homem.
Mãe e Filho, unidos pelo mesmo amor salvador, fizeram do Calvário o monte do amor, o monte da vitória, o monte da glória.
Não sem motivo Jesus foi sepultado nesse monte, pois onde o amor o levara à morte, haveria também de reconduzi-lo à vida, à festa da ressurreição.
O quarto evangelho, ao dizer que no Calvário estavam presentes diversas mulheres, entre as quais, Maria, mãe de Jesus, acrescenta que “ao lado dela” (João 19,26) se encontrava João, o discípulo amado.
Que fazia ali este apóstolo, único dos doze a acompanhar o Senhor até o fim?
Sem dúvida, o amor que o Mestre tinha por este discípulo despertou no coração de João a consciência de que amor com amor se paga.
Certamente também João foi conduzido até ali, corajosamente, pelo Espírito de Amor.
Também no seu coração o amor amadureceu ao ponto de enfrentar sem medo os inimigos do Mestre e testemunhar a Ele toda a sua dedicação até o último momento.
Também o amor de João floresceu nesse dia como uma flor naquele monte pedregoso.
João, porém, também por parte de Jesus estava ali para cumprir uma missão: naquele momento, ele representava a todos nós.
Sem dúvida, na entregar João a Maria como filho, Jesus pensava em nós; e ao confiar Maria a João, Jesus a confiava aos cuidados de todos nós.
Maria se tornava naquela hora suprema a nova Eva, a mãe de todos os viventes, de todos os filhos e filhas de Deus.
Por isso João estava “junto dela”: junto dela como filho, junto dela como guarda da mãe de Jesus, para sempre.
Não conhecemos os detalhes da vida de João que, como consta da tradição, faleceu em idade muito avançada.
Podemos, porém, ter certeza de que sempre esteve ao lado de Maria.
Maria foi para ele mãe, auxílio, modelo, defesa, apoio, enfim, tudo o que uma mãe representa para o próprio filho.
João, por sua vez, soube, não só acolher Maria em sua casa, mas sobretudo acolher as lições que Maria lhe ministrava a cada passo: toda de Deus, atenta à sua Palavra, preocupada em correr em ajuda às necessidades de todos, como sabe fazer uma mãe solícita.
Em particular, aprendeu de Maria a amar.
Não será por essa razão que o evangelho e as cartas de João são esplêndidos testemunhos de amor tal como Jesus viveu e ensinou?
E de quem Jesus aprendeu a amar?
Seja, pois, esta a nossa conclusão: em todo tempo e lugar, permaneçamos “junto à Mãe de Jesus”, não somente para que ela seja nossa Mãe e Auxiliadora, mas para olharmos para ela como modelo de discípula de seu Filho, como Mestra do Evangelho, Mãe do belo Amor.
Sim, na vida e na morte, JUNTO À MÃE DE JESUS!
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